segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O Corinthians é o Brasil

Boleiros
Domingo, chegando a Salvador, ouvi a seguinte conversa entre um cidadão baiano e um presumível amigo, com quem ele dialogava pelo celular: “Pode botar água de coco no gelo e separar o uíscão que nós vamos ver o gavião cair!” A incrível audiência da última rodada do fim de semana revelou que todo mundo estava ligado na definição do Campeonato. Seria natural imaginar que o sentimento de rivalidade entre torcedores de times diferentes de uma mesma cidade se acirrasse e mostrasse sua facção revanchista quando na iminência de assistir a um revés do adversário. Mas, nesse fim de semana, algo mais estava em jogo.

Sendo o Corinthians um time tão popular, com uma imensa e incrível torcida espalhada pelo Brasil todo, não seria estranho imaginar que sua situação delicada até o desfecho da rodada mobilizasse uma legião de fãs e adeptos. O Corinthians desperta em sua torcida uma devoção e uma fidelidade ímpares, indiscutíveis. O inverso disso é a antipatia das outras torcidas, mistura de hostilidade e inveja. Grandes paixões não são fáceis de assistir para quem está de fora.

A torcida do Corinthians sofreu a dor que a impiedosa seqüela da irresponsabilidade administrativa deixou no time do coração. E, como é costumeiro e crônico no Brasil, quem pagou a conta não foram os articuladores de tal catástrofe. Toda a aventura com a MSI não demorou a cobrar seus direitos atrasados, não só sobre o futebol, mas, principalmente, sobre os fiéis. O título de 2005, levantado pelo elenco vitorioso e estrelado que naquele tempo formava o Alvinegro, teve a credibilidade manchada pelo escândalo da arbitragem e pelas declarações surpreendentes e reveladoras do presidente Dualib. Se não fosse por intermédio e pressão política da CBF, estaria em andamento uma CPI que pretendia esclarecer e desvendar o procedimento obscuro e suspeito com que foram feitas as transações milionárias dos tempos de Kia Joorabchian e o modo aparentemente ilícito de entrada de toda essa grana. Para não atrapalhar a indicação do Brasil para a Copa, a CBF preferiu abafar o caso para não riscar a imagem do futebol brasileiro perante a Fifa!

O desfecho de tamanha rapinagem não demorou a acontecer. Em menos de 2 anos, o time do Parque São Jorge perdeu suas estrelas, entrou em colapso e botou uma safra de jovens e promissores jogadores na fogueira, para serem sacrificados e injustamente responsabilizados pelo rebaixamento. Crueldade! A penúria do clube, endividado e abandonado, refletiu-se no campo. A pressão, a suspeita, a cizânia, a traição, a falta de transparência, devem, certamente, ter invadido as quatro linhas e criado clima de instabilidade, que comprometeu o desempenho até de quem sabe jogar bola.

O aspecto mais lamentável dessa situação é ver que todo o amor que a torcida corintiana despendeu e entregou a seu time nunca encontrou correspondência na cúpula que dirigiu o clube para esse estado deplorável de indigência e o conduziu lenta e melancolicamente para a Segunda Divisão. E o paradoxo é que, nesse momento, a única força que o Corinthians tem para acreditar no acesso está justamente na paixão da torcida! O vergonhoso atraso para entrar em campo, domingo, revela a falta de grandeza de seus dirigentes desesperados. O castigo veio no primeiro minuto.

Se algo estava anunciado é que uma hora o preço daquela aventura seria cobrado. Mas a fatura sempre bate na porta errada. Jerry, Cícero e demais corintianos não mereciam isso.

Pelo pó de arroz Nando Reis - Estadão 06/12/07

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